Gestão pública e Lei de Murphy

15/03/2012 - Gestão pública e Lei de Murphy

*José Roberto Castilho
**João Francisco Justo Filho

leitor“Se algo pode dar errado, dará da pior maneira, no pior momento e de modo a causar o maior estrago possível”. Enunciada pelo engenheiro Edward Murphy da Nasa, a Lei de Murphy, que embora não seja exatamente uma lei, associa um caráter determinístico às catástrofes. A incerteza ficaria restrita ao elemento temporal, ou seja, quanto tempo levaria para um evento ocorrer. Esse tipo de evento determinístico difere daqueles que realmente poderiam ser chamados de acidentes, os que estão associados a elementos aleatórios, imponderáveis e, portanto, imprevisíveis.

Inundações, deslizamentos, furacões, erupções vulcânicas e terremotos são eventos naturais de um planeta em constante mutação. Entretanto, eles não deveriam ser classificados como acidentes, ou imprevisíveis, uma vez que grande parte deles são eventos cíclicos e, portanto, poderiam ser previstos com precisão. Por exemplo, nas grandes cidades, em toda chuva, inundações são observadas nos mesmos locais. Não poderia ter uma relação causal mais exata.

Desde a pré-história, a humanidade ocupa regiões suscetíveis a catástrofes naturais, mas não foi casual. Áreas próximas a vulcões são férteis para agricultura, as cercanias de oceanos e rios favorecem o transporte e a irrigação de plantações. Mas como tirar proveito das vantagens da natureza em regiões onde os riscos de catástrofes são tão grandes? A humanidade é vítima desses eventos, uma vez que imagina que pode interferir na natureza e dominá-la, ao invés de tentar integrar-se a ela e aprender com os seus eventos inerentes, para então tomar proveito deles.

A chave de tudo é entender a natureza, explorar as evidências disponíveis para prever com exatidão a ocorrência e magnitude desses eventos, evitando, ou pelo menos minimizando, as suas consequências. A incerteza na sua previsão está essencialmente associada à pobre percepção humana em entender os fenômenos naturais, mas tende a diminuir com o desenvolvimento de pesquisas cientificas. A partir delas, a humanidade paulatinamente se distancia de interpretar as catástrofes usando elementos dogmáticos ou imponderáveis.

Não se pode afirmar que o clima seja imprevisível ou que a quantidade de chuvas seja imponderável, para justificar alguma inundação que tenha causado grandes perdas. Fosse assim, a meteorologia não seria ciência. Os eventos climáticos envolvem muitas variáveis com correlações altamente não-lineares e, portanto, os modelos teóricos do clima são ainda muito simplificados para conseguir capturar toda essa fenomenologia. Uma melhora na percepção dos eventos climáticos será alcançada quando modelos mais sofisticados forem desenvolvidos.

No caso dos furacões, os recentes avanços tecnológicos de monitoramento por satélite possibilitam prever, com grande precisão, a sua evolução. Isso permite que o poder público tome providências para evacuar populações de regiões que estiverem em sua trajetória. O furacão Andrews, que atingiu os Estados Unidos em 1992 e foi classificado em segundo lugar em termos de perdas materiais naquele país, causou menos de 100 mortes, uma vez que procedimentos de evacuação foram executados a tempo. Quando esses dados são comparados com aqueles das tempestades tropicais dos últimos anos no Brasil, fica clara a precariedade do poder público do país em gerir esse tipo de evento.

Com relação a terremotos, já é possível medir com grande precisão a tensão armazenada entre duas placas tectônicas, o que permite prever se um evento sísmico pode ser iminente nessa região. Mas as escalas temporais dos eventos geológicos são de milhares a milhões de anos, e iminente pode significar um intervalo de tempo de anos ou décadas.

Todos esses exemplos mostram a relevância de um profundo conhecimento da natureza, para se prevenir, ou pelo menos minimizar os efeitos, de eventos naturais catastróficos. A maioria desses eventos segue o determinismo e, portanto, a sociedade brasileira não pode mais aceitar que sejam classificados, pelo poder público, como imponderáveis. O país ainda está muito distante de responder satisfatoriamente a esses eventos. Para fazer a sua gestão é necessário investir em diversas frentes, primeiro tendo um corpo de cientistas e engenheiros que estudem os fenômenos naturais e construam um sistema unificado de previsão de catástrofes.

O conhecimento dos riscos de catástrofes em regiões determinadas pode levar os governos a tomar ações preventivas, como remoção de populações de áreas de risco e realização de obras de engenharia que permitam adequação de certas regiões, minimizando o impacto dos eventos.

Isso requer grandes investimentos em equipamentos, tecnologia e planejamento. Mas o início do trabalho é na educação, formando profissionais aptos a executarem os trabalhos que vão do projeto à operação e manutenção de sofisticadas obras de infraestrutura.

As notícias reaparecem anualmente: situações de catástrofes naturais retornam às TVs, aos jornais e à internet. Como a previsão era possível, o que fez a sociedade civil e o poder público para, ao menos, minimizar os efeitos?

Mais uma vez aparecerão gestores públicos evocando elementos imponderáveis para justificá-los, de tal forma a tentar se isentar de qualquer responsabilidade.

* José Roberto Castilho Piqueira é doutor em engenharia elétrica pela Universidade de São Paulo, Vice-Diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e Diretor Presidente da Sociedade Brasileira de Automática

** João Francisco Justo Filho é doutor em engenharia nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

Site Login