Sustentabilidade: A Nova Engenharia Organizacional

26/08/2011 - Sustentabilidade: A Nova Engenharia Organizacional

JOÃO AMATO NETO*

O desafio da produção sustentável pressupõe uma nova arquitetura das organizações e exige a construção de redes que fortifiquem a colaboração mútua e o trabalho em sinergia. A corresponsabilidade entre os diversos estados, empresas, terceiro setor e cidadãos acentua-se na análise das causas dos problemas ambientais. Na outra ponta, a da solução desses problemas, a cooperação é que tece a rede na qual se coordenam as operações simultâneas e os esforços paralelos individuais e coletivos. Cooperar é o meio de se fortalecer compartilhando competências, infraestrutura, experiência de mercado, dividindo custos e somando esforços. Por isso, o mundo hoje não é mais um conjunto de grandes fábricas isoladas, mas uma rede de pequenas, médias e grandes empresas, cooperativas locais e corporações transnacionais atuando coligadamente entre si, em arranjos
diversos, dos clusters regionais às organizações virtuais, com harmonias ou dissonâncias.

Das pequenas às grandes inovações, a busca da sustentabilidade impõe-se nos diversos planos: processos produtivos mais limpos e econômicos do ponto de vista dos recursos naturais; produtos igualmente inovadores em termos de novas funções e menor impacto ambiental; novas matérias-primas para produtos já conhecidos; serviços mais intensos em conhecimento para a gestão ambiental; políticas internas de administração que envolvam educação, tecnologia e redução de gastos relacionados a matéria-prima, processos de produção e formas de organização do trabalho. Portanto, a sustentabilidade não pode ser entendida (apenas) como um departamento da empresa, nem como uma dimensão da corporação. O adjetivo sustentável apenas faz sentido quando vinculado à empresa como um todo. A empresa sustentável é aquela na qual o foco das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, da política de recursos humanos, do trabalho produtivo, das estratégias de marketing e mesmo do departamento financeiro encontram-se no horizonte da sustentabilidade.

Do ponto de vista da gestão – especialmente das políticas de recursos humanos –, a empresa é convidada a uma grande transformação. Pressões das grandes empresas às pequenas e médias fornecedoras, imposições da matriz às suas filiais e subsidiárias, exigências de certificação de qualidade, imposição de normas técnicas ambientais, aperfeiçoamento de normas de direito nacional e internacional, todo esse arcabouço gera uma entrada da questão dos direitos humanos nas corporações. O respeito aos direitos políticos, civis, sociais, econômicos, culturais – sejam eles individuais, coletivos ou difusos – é não mais uma obrigação apenas do Estado para com o cidadão, ou dos cidadãos entre si, mas vincula também as organizações privadas. As questões que se impõem à administração das empresas são das mais diversas e afirmam a necessidade de monitoramento de toda a rede produtiva, incluindo fornecedores e consumidores, os trabalhadores que operam em todos esses planos e as comunidades que desfrutam ou refutam as externalidades de todo esse processo de produção – externalidades essas cada vez mais internas às pautas das organizações preparadas para a produção sustentável e a competitividade econômica. Temas como trabalho decente, trabalho infantil e trabalho em condições análogas à escravidão, liberdades do trabalhador, promoção e respeito das culturas e modos de vida e pensamento de comunidades inteiras, respeito ao direito de todos ao meio ambiente saudável...

Todas essas questões, até então vistas como “problema do governo”, pressionam as empresas como organizações centrais da sociedade moderna. Junto a essas, surgem redefinidas as oportunidades quanto à (re) qualificação de trabalhadores, que podem contribuir para a construção da sustentabilidade e da inovação em todos os planos da empresa. Quanto às finanças, a sustentabilidade tende a colocar ao lado da noção de custos sociais e custos ambientais a ideia de dumping social e dumping ambiental. Não existindo uma linha de progresso que os países “em desenvolvimento” devem seguir, reproduzindo os erros que o processo de industrialização cometeu nos últimos séculos, âmbitos de negociação econômica e de defesa da competição – incluindo a Organização Mundial do Comércio (OMC) – têm incipientemente traduzido a ideia de que não é possível se admitir que todos os países tenham que rebaixar o nível de vida de suas populações para competirem com fábricas que produzem reproduzindo miséria e condições degradantes.

Se nos anos de 1990 ganhou força a noção de “qualidade por toda a empresa”, muito mais forte é a convicção deste início de milênio de que a sustentabilidade é uma questão para toda a empresa e para todas as empresas, do marketing à gestão, dos recursos humanos à estratégia. Muito além de um apelo emocional, a sustentabilidade é um imperativo racional (ecológico) à sustentação da(s) rede(s) de cooperação produtiva que constitui (em) a economia mundial, as economias nacionais, regionais e locais. Sendo uma questão prática para as empresas, parte do cotidiano. Se, segundo a história, Henry Ford concebeu a linha de montagem do automóvel a partir de uma visita a uma linha de desmontagem de bois, é verdade que semelhante (des) construção volta hoje em forma de inovação na gestão da sustentabilidade nas empresas: o conceito de logística reversa e as técnicas de produção mais limpa mostram a necessidade de se dominar não só a produção do produto, mas também sua “desprodução”. A empresa agora atua em uma rede que deve cobrir de um momento pré-matéria-prima (o que fazer para preservar o espaço social e natural da onde esta vai ser retirada) até a fase do pós-venda e do pós-consumo (como reaproveitar um produto após seu uso). Da produção à desprodução, a sustentabilidade insere-se na dinâmica que rege o sistema econômico e a sociedade atuais, a dinâmica da “destruição criativa”, como identificou Schumpeter. Nasce assim o paradigma da produção sustentável.

* João Amato Neto é professor titular e chefe do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP, consultor, coordenador do Curso de Especialização em Administração Industrial (CEAI) na Fundação Vanzolini e professor da FIA


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