Competitividade e abertura

25/11/2014 - Competitividade e abertura
 
Por Mario Bernardini
 
Produzir no Brasil custa, em média, 37% mais do que fabricaro mesmo produto nos principais países desenvolvidos*. É fato reconhecido que a responsabilidade deste diferencial é do famigerado “Custo Brasil”. O peso de cada um de seus fatores, entretanto, é muito menos conhecido, o que tem levado muitos formadores de opinião a considerar que ele se restringe apenas a dois outrês componentes como carga tributária elevada, excesso de burocracia ou logística deficiente.
Na realidade, o câmbio apreciado é, de longe, seu principal vilão, contribuindo com quase metade do total. Em ordem decrescente de importância, seguem o impacto dos juros na cadeia produtiva, cujo diferencial,em relação a nossos concorrentes internacionais, acrescenta algo como seis emeio pontos percentuais, e nosso sistema tributário, perverso e confuso que, graças aos impostos não recuperáveis, embutidos nos preços de nossos produtos,adiciona quase mais seis pontos a nossos custos.
Sem querer minimizar o efeito dos demais itens, como logística, burocracia, custo da energia, insegurança jurídica e regulatória...,é importante ressaltar que os três principais fatores, já citados, ou seja,câmbio muito valorizado, juros e sistema tributário (e não a carga tributária, por mais exagerada que seja) respondem por mais de dois terços do total do “Custo Brasil”.
Acadêmicos e formadores de opinião, aos quais se somaram ultimamente até renomadas consultorias internacionais, sem se aprofundarem na análise da composição do “Custo Brasil”, têm envidado esforços, com maior ou menor boa fé, para descobrirem um ou outro “novo” fator como se este fosse o principal responsável pela falta de competitividade da indústria brasileira de transformação.
Assim, nos últimos anos, a solução para a competitividade da indústria brasileira já passou, sucessivamente, por maiores investimentos em tecnologia, pelo aumento da inovação, pela participação nas cadeias globais de valor, pela maior produtividade do trabalhador brasileiro e, finalmente, por novos acordos comerciais bilaterais ou multilaterais e por mais abertura.
Todos são itens importantes, mas não atingem o essencial. O grosso dos problemas da indústria brasileira deriva de fatores sistêmicos que, como o próprio nome diz, são de responsabilidade do Brasil que, lamentavelmente, oferece a quem produz ou quer produzir no país um ambiente hostil, tanto no campo micro e macro econômico, quanto nas normas legais e regulatórias, prolixas e confusas, que levam a uma forte insegurança jurídica, ou ainda na infraestrutura deficiente e cara.
Para ficar apenas no tema proposto no título, vou me limitar a algumas observações sobre os últimos modismos, em matéria de competitividade, que é a proposta de nossa completa e incondicional abertura comercial e de uma maior integração nas cadeias globais de valor, como solução para nossa baixa competitividade.
A abertura e a integração, no dizer destes senhores, irão “promover a necessária pressão competitiva que empurrará as empresas brasileiras a inovar, investir e modernizar”** com o resultado de “poder acrescentar 1.25 pontos percentuais ao crescimento médio anual do PIB”.** Para reforçar a argumentação, citam, em contrapartida ao desempenho da indústria, nossa agricultura e a Embraer como exemplos de sucesso, decorrentes de abertura, integração e investimentos em tecnologia.
A análise é simplista e parcial: a Embraer é uma espécie de zona franca que pode importar tudo sem quaisquer impostos e não somente sem o imposto de importação; tem a maioria de seu capital de giro financiado pelo BNDES a juros internacionais e tem o privilégio único de dividir suas despesas de engenharia e inovação com o Estado via ITA/CTA e ainda custear seu P&D através de encomendas governamentais que pagam os investimentos necessários para desenvolver novos produtos. Na prática, ela não tem “Custo Brasil”.
Por outro lado, nossa agricultura, sem tirar nenhum de seus méritos que são muitos, teve a sorte de ver alguns de seus principais produtos terem os preços duplicados ou triplicados, principalmente em função da demanda chinesa, ao longo das duas últimas décadas, o que lhe permitiu anular, com folga, o “Custo Brasil”, passando, assim, a ter condições de investir em equipamentos e tecnologia.
De fato, muito mais que a alegada abertura nos anos 90, foi o efeito preço o principal responsável pelo brilhante desempenho do setor. Para confirmar o fato, basta citar o caso de muitas outras culturas como a da cana que, apesar do uso de equipamentos modernos e de dispor do apoio tecnológico da Embrapa, viu seus custos subirem, ao contrário de seus preços de venda, com resultados tão ou mais desastrosos dos da indústria de transformação.
Um país comercialmente mais aberto tende, sem dúvida, a ser mais eficiente do que um país mais fechado, entre outra razões, pelo fato de permitir o acesso de sua indústria a insumos, componentes e bens de capital apreços menores dos que se estes tivessem que pagar o imposto de importação. Entretanto, face às assimetrias competitivas existentes, defender mais abertura, antes de arrumar minimamente a casa, é um desserviço ao desenvolvimento do país.
O problema é que a redução das alíquotas de importação ou mesmo sua eliminação barateia o preço dos insumos, mas, simultaneamente, reduz o preço do produto industrializado importado, em um grau maior ainda, piorando ainda mais a competitividade da indústria brasileira, com exceção apenas daqueles poucos setores que contam com forte vantagem comparativa. Ou seja, sema redução do “Custo Brasil”, se é ruim com proteção alfandegária, é muito pior sem ela.
Do mesmo modo, a integração nas cadeias globais de valor é uma boa ideia, se considerada isoladamente. Na realidade, entretanto, nossa maior ou menor integração não é uma questão de vontade por parte do industrial brasileiro, como parecem pensar alguns dos que defendem a medida. É muito mais uma questão de poder do que de querer.
Nas atuais condições, sem competitividade e sem um forte setor de serviços que nos leve para cima na cadeia de valor, vamos ficar restritos às operações mais simples destas cadeias, entrando basicamente com matérias primas e mão de obra barata. A questão central, portanto, é como se integrar nestas cadeias com produtos e serviços de maior valor agregado. Do mesmo modo, não é a simples assinatura de mais acordos comerciais que vai aumentar a exportação de nossos manufaturados e, sim, a recuperação da competitividade de nossos produtos.
Na realidade, os “novos fatores”, apresentados como se cada um fosse nosso problema central, isoladamente, não resolvem a questão da competitividade de nossa indústria; atacá-los pode ajudar a melhorar a produtividade da indústria brasileira, sem dúvida, desde que as causas principais de nossa ineficiência sejam enfrentadas antes, conforme a ordem de importância estabelecida pelo peso dos diversos itens do “Custo Brasil”.
A necessidade de ganharmos tempo na recuperação de nosso atraso tanto na competitividade sistêmica quanto na setorial e empresarial justifica atacarmos vários fatores simultaneamente, mas sempre sem perder de vista a importância de cada um. A construção de nossa competitividade deve começar pelas fundações e pelas colunas de sustentação em seguida, e não pelo teto, se quisermos ser bem sucedidos.
 
(*) estudo da ABIMAQ, para BKs, usando Alemanha e EstadosUnidos como referência
(**) MacKinsey G.I. – Connecting Brazil to the world: A path to inclusive growth
* Mario Bernardini é diretor de competitividade da ABIMAQ
 
ABIMAQ – Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos

Banner
Banner
Banner

Site Login