As palavras-chave da Engenharia no Brasil: projeto e reconstrução

divisoes_tecnicasEMINENTE ENGENHEIRO DO ANO DE 2011

13/03/2012 - As palavras-chave da Engenharia no Brasil: projeto e reconstrução

Para o engº João Crestana, presidente do Secovi – Sin­dicato da Habitação – eleito o Eminente Engenheiro do Ano de 2011 pelo Instituto de Engenharia (IE), o Brasil precisa ser re­construído e a palavra que encerra o signi­ficado global desse contexto, que o explica e identifica é: projeto. “Se somos enge­nheiros, não vamos reconstruir nada sem ter um grande projeto, sem ter um grande plano de engenharia para a infraestrutu­ra do Brasil. Um plano que abranja todas as instituições que permitem o funciona­mento do país em termos de transportes, de programas energéticos, de programas habitacionais e de saneamento, e daí por diante. Aliás, acho que o saneamento é uma das grandes prioridades, o primeiro passo para promover a melhoria da saúde dos brasileiros. Depois vem a preocupação com o processo de drenagem das grandes cidades e com os planos de urbanização – que estão relevados a segundo plano nas grandes áreas conurbadas e nas grandes metrópoles. A palavra projeto é ligada ao vocábulo reconstrução de forma umbilical. Eu acho que a reconstrução amarrada a uma atividade de planejamento vai trazer para a responsabilidade dos engenheiros e da nova engenharia uma carga muito pesa­da, mas muito bonita e muito desafiadora nos próximos anos.”

João Crestana é engenheiro de pro­dução, formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), com mestrado em engenharia industrial pela Universidade Stanford, da Califór­nia, Estados Unidos. Atualmente é titu­lar da Torrear Incorporações e Planeja­mento Imobiliário Ltda. Antes de atuar no mercado imobiliário, atividade que exerce há 27 anos, foi executivo e con­sultor de multinacionais e de grandes grupos nacionais nas áreas financeira e de marketing.

Além de presidente do Secovi-SP em seu segundo mandato – gestão 2009/2011 –, preside, desde 2007, a Comissão da Indústria Imobiliária da Câmara Brasileira da Indústria da Cons­trução (CII/CBIC) que reúne os “Secovis” de todo o país. Essa, segundo ele, não é uma entidade hierárquica, mas simples­mente um foro de discussões nacionais. A seguir, trechos de sua entrevista à RE­VISTA ENGENHARIA.

— Como recebeu a premiação do IE? — perguntamos.

“Olha, foi uma surpresa muito gran­de e uma emoção enorme. Porque eu sou engenheiro e venho de família de pessoas que se dedicaram à construção e outras atividades diretamente ligadas à engenha­ria. O meu avô era mestre de obras das ferrovias paulistas que mais tarde forma­riam a empresa Ferrovia Paulista, a Fepa­sa. E meu pai nasceu nesse itinerário de um mestre de obras de linha ferroviária. E com muito sacrifício se formou em en­genharia e foi um engenheiro apaixonado. Mais do que qualquer coisa na vida ele foi um engenheiro. Gostava da engenharia, tinha uma admiração muito grande pelo Instituto de Engenharia, em São Paulo, e do Clube de Engenharia, no Rio de Janei­ro. Ele se formou pela Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas tinha muito orgulho pelo Instituto de Engenharia e eu tenho certeza de que essa notícia para ele – que hoje não é mais vivo – seria muito emocionante. E para mim foi muito surpreendente – com tantos enge­nheiros de valor que há no Brasil de hoje – ter sido escolhido. Foi um privilégio, uma láurea que eu costumo dizer não foi mi­nha, foi do mercado imobiliário. Eu estou aqui simbolizando um contingente enor­me de profissionais do setor imobiliário que se dedicam, anonimamente, a cons­truir, a trazer moradias, a trazer alternati­vas. Ao ser escolhido, a primeira coisa que senti foi que eu estava ali representando todos os engenheiros e arquitetos do setor imobiliário paulista e brasileiro.”

 

— Como o senhor vê a engenharia brasileira nos dias atuais e qual o seu papel no futuro? — indagamos.

“Eu acredito que o papel da engenha­ria no Brasil de hoje e do futuro poderia ser reduzido a uma palavra: reconstrução. Acredito que a engenharia no Brasil nos últimos 20 ou 30 anos teve o seu papel muito reduzido, infelizmente. De 1964 aos anos 1980 nosso país viveu um período de pouco debate em termos das questões institucionais, políticas, legais e relativas a marcos institucionais. E, ao acordar disso, em 1980 ou 1985, o país então teve que montar a sua Constitui­ção e toda a legislação complementar. Nesse momento a função do advogado, do político e do economista, naturalmente ganhava uma primazia total. Agora, com o país reconhecidamente tendo tomado uma forma de democracia – uma democracia com seus problemas e dores do crescimento, mas uma democracia de verda­de –, acho que chegou a hora do país se fortalecer em termos de tecnologia. É preciso criar polos de tecnologia que possam ajudar na montagem da infraestrutura de que o país está tão carente. O país não sabe mais planejar, não sabe mais projetar. Ainda que paradoxalmente tenha trabalhado e construído – sim –, e até com certa tecnologia. Mas nós precisamos de tecnologia em massa e toda ela vinculada a um arcabouço de planejamento e projetos. Isto é a engenharia que vai trazer.”

De fato, hoje é comum que os especialistas em habitação e urbanismo sejam enfáticos em dizer que as empresas, sim, pre­cisam crescer, mas desde que seja de forma ordenada. Afinal, o adensamento excessivo das cidades causa congestionamento, perda de qualidade de vida, impermeabilização do solo e au­menta o número de tragédias. Na extensa lista de problemas que causam as enchentes em São Paulo, por exemplo, a falta de áreas verdes na zona urbana, que permitem a infiltração da água, e o excesso de edificações – que, por outro lado, dimi­nuem a permeabilidade do solo –, são apontados como agra­vantes. Segundo muitos desses analistas, se a cidade de São Paulo está numa situação difícil hoje em dia é porque o poder público foi ineficiente.

 

— Como se encaixa a legislação ambiental nesse contexto de reconstrução a que o senhor se refere? — solicitamos.

“Acho que o projeto de nação é um conceito muito importan­te. Quando não há um projeto sistêmico e sistemático de qualquer tipo de desafio que haja no nosso cotidiano – e um país é um grande desafio para a população toda –, quando não há esse foco, esse direcionamento, perdemo-nos às vezes em relação a aspectos que ganham um realce desproporcional. Eu acredito que – co­locada em sua justa proporção – a questão da sustentabilidade realmente pode ser um pano de fundo para o nosso projeto de re­construção. Acho que é uma obrigação nossa para com os nossos descendentes entregar de volta o mundo de uma maneira correta, de uma maneira urbanisticamente adequada, socialmente justa e ambientalmente preservada. Afirmo que o Brasil tem possibilida­des de fazer isso. Mas se nós formos ver a Europa e os Estados Unidos ao longo dos últimos 150 ou 200 anos, verificaremos que a atividade daqueles povos com certeza contribuiu para desenvol­ver aqueles países de uma maneira muito predatória. O Brasil não pode ir por esse caminho – isso em primeiro lugar. Mas também não pode deixar de preservar sua soberania e sua maneira de fazer seu projeto de nação para conseguir dignidade, vida com quali­dade, urbanismo com preocupação ambiental, preocupação com o patrimônio histórico para os seus habitantes. Mas com desen­volvimento e com responsabilidade social, gerando empregos. Eu acredito que os europeus e americanos devem se preocupar com seus quintais. O Brasil deve ser soberano para decidir quais são suas atitudes frente ao meio ambiente, frente ao desenvolvimen­to, frente à sua responsabilidade social – tudo isso significando sustentabilidade. Precisamos construir um projeto de nação com uma visão urbanística e social, mantendo em seus devidos luga­res essas entidades estrangeiras que às vezes vêm ao Brasil ditar normas, achando que nós temos que nos subordinar aos interesses deles. Isso não é verdade. Aqui dentro do Brasil a soberania é do povo brasileiro. A nação brasileira é madura e não depende de organizações externas a nos ditar regras. Nós temos res­ponsabilidade ambiental, social e econô­mica. E tenho certeza de que o Brasil vai seguir por esse caminho. Entendendo, sim, o que aconteceu no mundo, tendo muito cuidado ao estudar exemplos do passado no planeta. Mas nunca esquecendo que quem manda dentro do nosso país são os brasileiros. O Brasil e seu povo são a nossa nação. Que ninguém venha de fora para dentro exigir coisas que deveriam ter sido exigidas de seus países mais de 150 anos atrás.”

 

— Qual o papel das instituições na construção de um projeto de nação? — emendamos.

“As instituições não se resumem a estruturas jurídicas e sistemas políticos de governo. São também os valores e convicções populares, crenças, costumes e cultura aceitos consensualmente. As instituições são os tijolos na construção de um projeto de nação. O Brasil care­ce deste projeto. Entendo que chegou o momento de nossa sociedade dedicar-se a um pacto nacional de desenvolvimento coerente, abrangente, sistêmico e sus­tentável. O italiano Giuseppe Ingegneri, engenheiro no nome, mas médico e fi­lósofo de formação ensinou que um país é expressão geográfica e Estado é forma de equilíbrio político. A pátria, porém, transcende este conceito: é sincronismo de espíritos e corações, aspiração à gran­deza, comunhão de esperanças, solidarie­dade sentimental de uma raça. Enquanto um país não é pátria, seu povo não for­ma uma nação, dizia Giuseppe Ingegneri. Sem um projeto de nação, um pacto na­cional de desenvolvimento, dificilmente a pátria consegue o necessário sincronis­mo de espíritos e corações. O povo ignora qualquer aspiração à grandeza, frustram-se a comunhão de esperanças e a solida­riedade da raça em consolidação.”

 

— O senhor falou que seu avô foi mes­tre de obras. Pode falar um pouco so­bre sua família? — pedimos.

“Como disse, meu avô paterno tra­balhava em ferrovias do Estado de São Paulo, mais tarde agrupadas na Fepasa. Eu nasci na cidade de São Paulo, capital. Meu pai nasceu em Jundiaí e os demais ir­mãos dele – uma família de muitos irmãos – foram nascendo nas diversas cidades ao longo das ferrovias paulistas. Porque meu avô, como mestre de obras, ajudava a construir principalmente estações. Ou seja, ele se radicava nas cidades durante um certo tempo. Ele passou então pelos eixos Jundiaí, Rio Claro, São Carlos, Ara­raquara. Pulava de uma cidade para outra. Esse meu avô paterno era italiano, veio da região de Veneza, Crestana do Vêneto. Ali­ás, meus quatro avós são da região de Pá­dova e Veneza. Meu avô materno era mar­ceneiro e minha avó era costureira. Eles tinham uma competência muito grande nas suas profissões e educaram famílias grandes, entre eles minha mãe e meu pai. Meu pai se formou em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Meu pai era um enge­nheiro da construção. Ele ia construindo por administração e por empreitada. Pro­jetava, dirigia obras e espalhava suas pla­cas pelo Estado de São Paulo. Nutria-se das lajes, dos arcos abatidos, dos tubulões e do concreto armado. Atendia a clientes exigentes e fiéis. Administrava pessoal, se­lecionava técnicas e materiais, sempre de terno, gravata e sapato preto engraxado. Meu pai era também um engenheiro da agropecuária. Esticava correntes, mano­brava o teodolito, construía currais, tan­ques e pequenas barragens, controlava a erosão, alinhava as mudas e manejava pomares. Café, laranja, eucalipto e abaca­tes eram suas especialidades. Eu vi mais de um agrônomo recorrer a ele em busca de conselhos. Também negociava, declamava poesias, tocava moda caipira no violão. Mas meu pai era um engenheiro acima de qualquer coisa. Minha mãe era formada na área de serviços sociais, numa das primei­ras turmas da Universidade de Serviços Sociais, aqui de São Paulo.”

 

— Pode falar agora sobre sua pessoa e carreira? — perguntamos.

“Completei 57 anos em novembro de 2011. Minha esposa se chama Eliana e é formada também pela USP, em História. É professora de História, mas hoje se dedica à atividade de decoração. Tivemos dois filhos. Uma menina, hoje com 30 anos, e um menino, atualmente com 28 anos. Ela mora na Itália e é joalheira e desig­ner gráfica. Meu filho é administrador e trabalha em São Paulo com fundos de investimento imobiliários num banco de investimento brasileiro. Eu, desde crian­ça, acompanhava obras, matérias de jor­nal e gostava de brincar com peças de montar, do tipo daqueles tijolinhos de se construir casas e outras edificações. Meus brinquedos eram voltados mais para a área de engenharia. Sempre gostei muito de coisas de produção, tanto me­cânica como de construção civil. Na ado­lescência também sempre tive inclinação para essas coisas. Quanto aos estudos, sempre foram feitos na capital paulis­ta. Fiz o curso primário na Escola Assis Pacheco, no bairro das Perdizes. Passei pelo Colégio São Bento durante um ano, mas depois preferi me transferir para o Colégio Rio Branco onde fiz o ginásio e o colégio. E me formei em engenharia pela Poli da USP. Depois disso eu fiz um curso de pós-graduação fora do Brasil, na Universidade Stanford, em Palo Alto, na Califórnia. Minha área de engenharia foi na de produção, engenharia indus­trial sempre. E caí na área de construção por gostar do setor, por entender que em termos de negócios era muito atraente para mim. Depois que me formei na Poli, em 1977, tive uma carteira de empregos bastante abrangente. Eu me formei tra­balhando como estagiário no Citibank e continuei no mesmo grupo enquanto fa­zia pós-graduação nos Estados Unidos. E depois fui para a Hewlett-Packard, tam­bém naquele país, onde tive o orgulho de participar no projeto de um dos produtos mais bem-sucedidos do mundo em todos os tempos, que é a calculadora financei­ra HP 12-C. Trabalhei como engenheiro de produto no lançamento mundial da calculadora. Depois participei do projeto de transferência da HP para Campinas, cidade paulista onde fui morar e onde a fábrica se instalou. Depois passei um ano na multinacional Monsanto, no setor de planejamento. E dois anos na Alcoa, onde montei o departamento de planejamento corporativo, entre 1994 e 1995. Aí montei minha empresa de incorporação e fiquei quatro ou cinco anos fazendo também consultoria de organização empresarial e de planejamento em várias empresas. Minha empresa é a Torrear Incorporações desde 1986. Hoje estou concentrado na área de incorporação, criação de empre­endimentos imobiliários, tanto urbanís­ticos – prédios, residências, conjuntos de habitações – como do segmento de loteamentos e criação de novas áreas de desenvolvimento urbano.”

Banner
Banner
Banner

Site Login