Enchentes em São Paulo: o papel da engenharia

divisoes_tecnicas31/05/2012 - Enchentes em São Paulo: o papel da engenharia

Por João Alberto Manaus Corrêa*

Escrever sobre enchentes e engenharia sem questionar o que fizemos ou aprendemos no passado e, em especial, no ultimo período de chuvas, não condiz com o pensamento lógico do engenheiro. No entrepico de chuvas e fora do foco da mídia, quais foram os esforços significativos de preparação para enfrentar o próximo período?
A mídia e os formadores de opinião poderiam, a cada enchente em São Paulo perfeitamente poupar imaginação em suas surradas chamadas (aliás, é o que ocorre): “Fomos surpreendidos pela maior chuva dos últimos xx anos”; “A culpa é da população que deixa lixo e entulho nas ruas”; “A cidade está impermeável”; “A ocupação de morros e várzeas em areas críticas devem ser evitados”; “Piscinões são (ou não) a solução”; “Bombeamento em áreas inundáveis, limpeza de córregos, desrratização, código de obras defasado, falta canalização etc.”.
Planejamento, projeto, obras, manutenção e operação (além de atuação emergencial com Defesa Civil e assistência médica e social) seriam os temas acertados a serem abordados e, reconheçamos, são sempre tangenciados.
Os investimentos na calha do Rio Tietê, as obras de retardamento de picos de cheia são exemplos de ações estruturantes em drenagem cujo mérito não pode ser questionado.
O que se questiona, após as recentes chuvas, é se a atuação como um todo em prevenir e lidar com a ocorrência, poderia ser melhorada.
Em minha sofrida experiência com programas de defesa contra enchentes nos municípios de São Paulo e São Bernardo do Campo, aprendi algumas lições referentes ao problema e me propus as questões abaixo.

O que pode a engenharia no caso das enchentes urbanas?
A colheita de resultados dos esforços da engenharia e da gestão pública em enchentes urbanas traz à luz temas que recomendam uma grande dose de humildade.
Os administradores têm toda razão em argumentar que fizeram sua parte, antecipando a execução de obras para “equacionamento do problema”.
Os engenheiros dirão que adotaram as melhores práticas e estão respaldados em Normas e que faltam obras e “vontade política”.
Os resultados não são bons e é hora de começarmos a questionar com firmeza se fizemos a lição de casa.
Não há como negar que indícios claros já estão presentes há muito tempo clamando por uma conciliação de conceitos e objetivos buscando uma ação coordenada e realista por parte de todos os envolvidos.
Enchente é um tema multidisciplinary envolvendo distintos atores no antes, no durante e no depois da enchente e principalmente ao longo de diferentes governantes e mandatos.
Os resultados e o clamor público apontam para insuficiência ou ausência de providências, resultando em duro golpe na avaliação dos administradores, dos engenheiros ou dos técnicos e administradores envolvidos.
Isto salta aos nossos mais do que avisados olhos, por exemplo:
1) quando a canalização de um córrego adia a inundação, mas piora o efeito quando ela ocorre. Este adiamento torna a população descuidada e despreparada;
2) quando canais transbordam com a ocorrência de chuva inferior à adotada no projeto;
3) quando canais transbordam com a ocorrência de chuvas superiores à adotada no projeto e nada deste evento foi considerado no projeto (projeto canaliza, adia mas não evita enchente);
4) quando áreas potencialmente inundáveis não são demarcadas antes da ocorrência inundações primeiras;
5) quando a chuva de projeto de córregos secundários é inferior à adotada para os principais, assume que eles são menos importantes frente a chuvas que, sim, podem ocorrer em qualquer microbacia;
6) quando pontos de inundação se formam por assoreamento ou entupimento das galerias e canais.

Que tal começar a questionar a que vem a engenharia e torná-la mais abrangente na ocorrência de eventos?
De plano reconhecer que projetos e obras de engenharia mitigam, melhoram, adiam... mas não resolvem, como não têm resolvido, a esmagadora maioria dos problemas em área urbana.
A chuva de projeto é ao fim e ao cabo um jogo contra a natureza (humana e governamental também).
Está na hora de colocar isto de forma clara para a população. Esta na hora de questionar esta chuva considerando mais segurança com perguntas do tipo:
(1) quanto custa a mais aumentar a chuva de projeto (velha análise de sensibilidade);

(2) podemos incorporar o lixo e assoreamento nos cálculos;
(3) podemos delimitar e falar em área inundável para além da chuva de projeto;
(4) que fazer com o povo dentro desta área inundável antes e na ocorrência do evento;
(5) como viabilizar diálogo com a população e com o setor imobiliário e securitário.
Como dizer para a população que apesar do gasto, existe a possibilidade de inundação.
O setor imobiliário nas áreas ainda não inundadas (mas com risco de), teria que considerar providências de minimização e rever valores de mercado dos imóveis.

* João Alberto Manaus Corrêa, MSc. Engenharia, diretor-presidente da Herjacktech Tecnologia e Engenharia Ltda.

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