A importância do transporte sobre trilhos para as cidades brasileiras e a evolução da tecnologia

27/11/2011 - A importância do transporte sobre trilhos para as cidades brasileiras e a evolução da tecnologia

JOSÉ GERALDO BAIÃO*

Oito das 39 regiões e aglomerados metropolitanos brasileiros figuram entre as 100 maiores do planeta em termos de população, conforme dados divulgados pela ONU no final da década passada: São Paulo (6ª), Rio de Janeiro (19ª), Belo Horizonte (56ª), Porto Alegre (79ª), Recife (82ª), Fortaleza (85ª), Salvador (94ª) e Curitiba (100ª). Além da superlatividade populacional e área física urbana que ocupam, essas regiões metropolitanas caracterizam-se pelo seu raio global de influência, o que as transforma em “cidades mundiais”, pois desempenham importante papel na rede nacional de comunicação, com destaque na política e na cultura do país, e são nós de articulação no transporte de pessoas, mercadorias e informações.

A partir da invenção do telégrafo, no século 19, a velocidade tornou-se diversa para o transporte de dados, de um lado, e de pessoas e produtos, do outro, embora estes últimos também tenham sido beneficiados, mais tarde, pela invenção das locomotivas, na Revolução Industrial. A descoberta
do telégrafo foi a base para as novas tecnologias de transmissão de dados que temos hoje – redes de telecomunicações (telefone, internet etc.) e transmissão via satélites. Só no início do século 20 é que o automóvel e o avião vieram a modificar profundamente as trocas e o intercâmbio das pessoas entre as regiões e cidades no país e no mundo.

A industrialização brasileira, que se consolidou nas décadas de 1950 e 1960, promoveu uma concentração urbana acelerada e desordenada. As metrópoles expandiram- se, conurbaram-se com cidades próximas e geraram demandas de serviços e atividades que fugiram do controle individual dos municípios. Como a produção de riquezas é realizada majoritariamente nas áreas urbanas, onde habita a maioria da população, a mobilidade requerida para a movimentação de bens e pessoas passou a gerar deseconomias prejudiciais à sociedade: acidentes, congestionamentos de trânsito, altos custos de transporte, poluição do ar, doenças respiratórias, violência, entre outros aspectos negativos. Muitas dessas deseconomias são causadas pelo uso constante do automóvel, a partir da metade do século passado e mais recentemente pelo crescente uso de motos.
Ao mesmo tempo em que o uso do automóvel facilitou os deslocamentos, contribuiu também para os problemas de circulação, devido à incompatibilidade entre as necessidades de mobilidade e a infraestrutura de transporte disponível. O viário e as redes de transporte coletivo – concebidos no antigo padrão da metrópole industrial, com fluxos pendulares – não mais atendem às demandas atuais de deslocamentos que são caracterizadas por cadeias de viagens, em geral ao longo das 24 horas do dia. Além disso, há que se considerar também o processo de exclusão social e a segregação espacial da pobreza que provocou o deslocamento da moradia da população de baixa renda para as áreas periféricas das cidades, aumentando as distâncias das viagens. Os congestionamentos deixaram de ser privilégio dos centros e centros expandidos das metrópoles, eles ocorrem diariamente também nas periferias.

TRILHOS URBANOS COMO SOLUÇÃO

Dessa forma, as soluções para a mobilidade nas cidades passam pelo tratamento conjunto das políticas referentes ao uso e à ocupação do solo, ao transporte coletivo – considerando a integração física e tarifária entre os diversos modos – e ao trânsito, que tem implicações no desempenho do
transporte coletivo de superfície, mas é fortemente afetado pelo transporte individual e pelo deslocamento de mercadorias e prestadores de serviços que fazem funcionar a economia das cidades. Neste contexto, o transporte coletivo tem que ser priorizado e cabe ao transporte público sobre trilhos um papel fundamental: estruturar todo o sistema coletivo de deslocamento de pessoas, contribuindo para a solução dos problemas de mobilidade nas grandes e médias cidades. Isso é possível, justamente porque as diversas alternativas de transporte sobre trilhos hoje disponíveis – metrôs pesados e leves, trens metropolitanos, Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs), monotrilhos, bondes modernos e outras – são capazes de responder a situações que exijam alta ou média capacidade de carregamento. Os sistemas sobre trilhos reduzem os tempos de viagem e utilizam, para sua alimentação, energia
limpa e renovável. Suas operações resultam em taxas muito baixas de geração de gases de efeito estufa e de poluição local com certeza as menores entre todos os sistemas de transporte coletivo o que, consequentemente, contribui com a saúde da população.

Há 37 anos, em São Paulo, a implantação do metrô incorporou, à época, o que de mais moderno havia em termos de tecnologia e induziu as empresas nacionais a promoverem um grande salto de qualidade, pelo rigor de suas especificações. O metrô paulistano foi o primeiro no mundo a operar em Automatic Train Operation (ATO) e a ter um Centro de Controle Operacional (CCO) centralizado para todas as linhas. Muitos especialistas e estudiosos, brasileiros e do exterior, asseguram que a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô-SP) foi uma “universidade”, com contribuições altamente positivas para a engenharia do país. Apesar do flagrante descompasso observado atualmente entre a demanda e a oferta de engenheiros e outros profissionais da área tecnológica – pois passamos décadas crescendo aos soluços e com o parque ferroviário sendo desmantelado no país –, os recursos humanos das áreas técnicas do Metrô-SP mantiveram-se permanentemente atualizados com as mais modernas tecnologias que vinham sendo desenvolvidas e implantadas pelo mundo. Fato é que as instalações civis e os sistemas e equipamentos que compõem as expansões e modernizações do Plano do Governo Estadual – ora em curso para a rede metroferroviária de São Paulo e que vêm sendo entregues à população –, incorporam em suas especificações o que de mais moderno existe hoje em termos de tecnologia para tornar as viagens cada vez mais rápidas, seguras e confortáveis.

As estações contam com recursos e equipamentos para universalizar a acessibilidade a todas as pessoas; oferecem ambientes climatizados com informações operacionais, culturais e para lazer; são projetadas para economizar energia – com um maior aproveitamento da iluminação natural e adoção de equipamentos acionados sob demanda, como escadas e esteiras rolantes inteligentes, dotadas de sensores que identificam a proximidade do usuário – e reduzir o gasto de insumos, permitindo, por exemplo, o reúso da água das chuvas. Há também os bloqueios sem catracas para dar maior agilidade nos acessos para embarque e as portas de plataformas, sincronizadas com os trens, que impedem o acesso dos usuários à via, aumentando a sua segurança. As estações não são meros pontos de parada com um marco ou mastro
e um minúsculo abrigo.

O material rodante também apresenta muitas novidades, algumas visíveis e outras não pelos usuários. Em geral, os trens possuem sistema de tração com motores em corrente alternada; sistema de freio com controles microprocessados, com função de antideslizamento e antipatinagem e registrador de eventos; sistema de portas automáticas do salão, com motores elétricos de controle microprocessado e monitoração contínua com registrador de eventos; sistema de monitoração de falhas (Data Bus) que possibilita o processamento, identificação e controle de informações essenciais dos diversos sistemas do trem, viabilizando diagnósticos mais precisos de anormalidades e falhas operacionais; engates automáticos e semipermanentes com sistemas de amortecimento para permitir acoplamento de até 9 km/h durante a operação de reboque entre trens.
No interior do salão de passageiros há equipamentos de ar refrigerado; de detecção e extinção de incêndio; painéis de LED para indicação da próxima estação, lado de desembarque e mensagens de anormalidades e mapas de linha dinâmicos nas laterais, conjugado com os avisos sonoros pré-gravados; indicadores luminosos de fechamento iminente de portas para deficientes auditivos, sincronizados com o alerta sonoro; câmeras de vigilância; monitor nas cabinas de condução e gravador de vídeo. No caso da Linha 4-Amarela, os trens podem operar de forma totalmente automática – “sem condutor” e os carros são interligados, facilitando a distribuição dos usuários e aumentando a segurança. Outro sistema a destacar é o de sinalização crucial para o desempenho e o controle da movimentação segura dos trens. Nas linhas novas vem sendo implantada a tecnologia baseada em rádio comunicação Communication Based Train Control (CBTC) e nas linhas em operação a substituição do sistema atualmente implantado, com tecnologia baseada em circuitos de via (cabos, antenas, bobinas de impedância etc.). A tecnologia CBTC é tendência mundial, já está implantada em
sistemas em operação no mundo e tem uma série de benefícios: põem um fim nos problemas operacionais como “falsa ocupação”; reduz o intervalo operacional entre trens para até 75 segundos – gerando maior oferta; propicia menores custos de consumo de energia elétrica e de manutenção do material rodante e vias; menor custo operacional, devido ao automatismo total nas regiões de manobra e no despacho e recolhimento dos pátios. Esta tecnologia também reduz a quantidade de equipamentos nas estações e via e permite: comunicação contínua de alta capacidade e bidirecional em todos os pontos da via (diagnósticos on line) e operação com perfis contínuos de velocidade e não mais com degraus de velocidade (0, 10, 30, 44, 62, 75, 87 e 100 km/h); maior precisão de parada do trem nas estações e de sua localização na via; acoplamento automático de trens; proteção dos aparelhos de mudança de via (AMVs); controle do tempo de parada nas plataformas e sincronismo de abertura e fechamento das portas do trem com as de plataforma.

Mais do que uma solução de transporte, os sistemas sobre trilhos também contribuem para a revitalização dos centros urbanos degradados, são grandes indutores de desenvolvimento regional, no caso das ligações de longo percurso e contribuem para o desenvolvimento industrial, econômico e social. Recentemente, nós assistimos à implantação, em tempo recorde, de uma nova indústria de fabricação e montagem de carros de passageiros que, apostando no desenvolvimento do mercado na América Latina, gerou empregos no país e está contribuindo com o desenvolvimento de uma
região no interior do Estado. Finalmente, parece que governos com projetos de nação e governantes com visão de estadistas, sensíveis aos diagnósticos e soluções apontados pelos técnicos, estão redescobrindo, de um lado, os benefícios dos transportes sobre trilhos para as cidades e para as ligações entre elas, quer para cargas, quer para passageiros e, de outro lado, reconhecendo o equívoco que foi a opção do modelo rodoviarista, adotado em nosso país no século passado e que quase levou à extinção da malha ferroviária brasileira.
Enfim, se forem levados em consideração todos os aspectos e benefícios aqui citados, além das novas tecnologias aplicadas para oferecer maior rapidez, conforto e segurança aos usuários, os sistemas sobre trilhos têm uma grande contribuição a dar para as cidades, por torná-las cada vez mais competitivas e ao mesmo tempo mais humanas para os seus cidadãos.

 

*José Geraldo Baião é engenheiro, conselheiro do Instituto de Engenharia e presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô (Aeamesp)

 

 



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