Auditoria de segurança rodoviária: uma carência brasileira

26/08/2011 - Auditoria de segurança rodoviária: uma carência brasileira

 CÁSSIO EDUARDO LIMA DE PAIVA*
 CRESO DE FRANCO PEIXOTO**

O número de acidentes rodoviários tem aumentado consideravelmente ano a ano no Brasil. Elevar a qualidade das vias e seus entroncamentos por meio de estudos anteriores a acidentes, na forma de auditoria de segurança viária, permite evitar a concentração de acidentes para a tomada de decisões, bem como transformar todas as fases de um empreendimento viário em um sistema orgânico. A auditoria permite harmonizar as distintas fases, do projeto à operação e à manutenção, focada na qualidade de via do usuário bem como no fomento à autossustentabilidade de todo o empreendimento.

 

SEGURANÇA RODOVIÁRIA NO BRASIL

O número dos acidentes de trânsito com vítimas no Brasil recresce desde 2002, quando os acidentes com vítimas foram 251 880, tendo já se agravado o total de mortos desde 2000, quando a estatística acusou 27 000 fatalidades (Abramet, 2007, p. 65). Estes números refletem a sensação crescente dos infratores de que não haverá punição, reflexo da redução da eficácia do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e de decisões equivocadas, como a liberação de suspensão do direito de dirigir para aqueles que fossem flagrados em excesso de 20% do limite de velocidade – ou, ainda, a alteração do limite legal de concentração alcoólica para limite praticamente nulo, uma dura lei de aplicação branda, até a presente data. Caso se imagine que o aumento seja em função do crescimento populacional de habitantes ou veicular, basta observar que no ano de 2002 ocorreram as menores taxas de acidentes por 100 000 habitantes, 144,2; e de acidentes em cada 1 000 veículos, 7,3 (Abramet, 2007, p. 65).

Dentre as principais causas do agravamento destas estatísticas pode-se citar, principalmente, excesso de velocidade e alcoolismo ao volante. Contudo, uma parte destes acidentes fatais teve como fator coadjuvante falhas na via, quer seja em termos de sinalização, geometria ou deficiências no mobiliário viário, quer seja qualidade do pavimento. Paralelamente às soluções mitigadoras dos problemas de condução rodoviária, são necessárias, também, ações voltadas à melhoria das vias.

CONCEITOS APLICÁVEIS À AUDITORIA DE SEGURANÇA RODOVIÁRIA

O procedimento que tem sido praticado ao longo de muitos anos é a observação dos pontos onde ocorre concentração de acidentes e sua análise “acidentológica”. Contudo, este processo tem como premissa deixar ocorrerem acidentes para buscar soluções mitigadoras. Este processo tem de ser alterado. Não se pode conceber que o custo de um levantamento seja devido à concentração de acidentes que se deixou estabelecer. Não se pode alegar, neste contexto, que é preciso saber onde os acidentes ocorrem para intervir, há processos e métodos que permitem avaliar vias inteiras ou um dado cruzamento, de forma a préestabelecer problemas que poderão ser geradores de acidentes. Para tanto, sugerem-se auditorias de segurança viária.

A auditoria de segurança rodoviária (ASV) pode ser definida como análise formal de um cruzamento, de uma via de tráfego ou parte desta, sob ponto de vista de segurança (Ferraz, Raia e Bezerra, 2008, p.103), visando auscultar deficiências de traçado, sinalização ou circulação, com objetivo de desenvolver relatório que possa ser utilizado como ferramenta para prover solução para os problemas observados.

A auditoria de segurança rodoviária pode ser elaborada para um determinado nível de segurança mínima, tomada como ideal ou aceitável, aplicada a um cruzamento viário, trecho ou para toda uma via estudada, visando estabelecer os locais críticos ou inseguros, onde o de risco esteja acima do limite tomado como admissível.

Esta metodologia permite substituir o método do estabelecimento de “pontos negros de vias” – locais onde havia elevada concentração de acidentes – em que apenas se buscava estabelecer soluções para esses pontos onde houvesse concentração de acidentes. O método dos pontos negros exige aguardar a ocorrência de número considerável de acidentes, qualificados em função do motivo que os acarretou.

CUSTOS COMPARADOS DA AUDITORIA DE SEGURANÇA RODOVIÁRIA

O estabelecimento de auditorias durante o projeto e ao término da obra permite tornar conhecidos locais de possíveis falhas ao longo da via e buscar soluções, antes do início da operação, não demandando perda de vidas, ocorrência de acidentados, perdas veiculares e do mobiliário viário, associados a custos legais e de atendimentos pré-hospitalares, hospitalares e de tratamentos terapêuticos prolongados, para que se tenham dados de análise.

Há ainda o “custo” maior: o do impacto emocional junto a parentes e amigos, de difícil avaliação em termos quantitativos. Podem ser ilustrados alguns valores unitários, relativos aos custos globais de um morto em rodovias brasileiras, de R$ 418.341,00; de um acidente com vítima, de R$ 86.032,00; e de um acidente sem vítima, de R$ 16.840,00 – segundo valores de dezembro de 2005 (Ipea, 2006, p. 52). Estes valores foram obtidos a partir de equacionamento tomado como referência e agregam um elenco de custos imediatos ao acidente, e em médio prazo, gerados pelo acidente, assim como a valoração complexa do impacto humano e social da perda de quem ainda produziria riquezas e subsidiaria dependentes.

Entre os estágios principais de uma auditoria devem ser efetuados estudos sobre o projeto básico (caso seja possível) e sobre o projeto executivo, no momento da entrega do empreendimento e após determinado período operacional, em torno de 12 meses de operação ou ainda entre quatro a 36 meses de operação (Cambridgeshire County Council, 2009).

Como metodologia de auditoria, podese propor um elenco de atividades que não gerem custo excessivo para tal trabalho. Há citação de que o custo de uma ASV possa atingir quatro a 10% do total da obra (Ferraz, Raia e Bezerra, 2008, p.105). Outra citação indica valores de Ł 206,00, correspondentes a aproximadamente 700 reais, para o detalhamento do estudo e custo horário de Ł 34,28, aproximadamente 110,00 reais por hora, mais custo do transporte e pernoites, válidos para 2008 e para rodovia britânica (Cambridgeshire County Council, 2009). As duas citações indicam quantidades complexas para comparação, não obstante os valores absolutos sejam notoriamente menores do que os praticados em trabalhos de consultoria especializada.

Porém, os valores percentuais indicados correspondem a montantes entre o dobro e o quíntuplo do custo médio histórico de projetos executivos, da ordem de 2% do preço total da obra. Desta forma, para padrões brasileiros, torna-se difícil estabelecer praticabilidade financeira para tal serviço, o de uma ASV, por mais que se consiga provar sua compensação financeira em termos de redução no índice de morte e de acidentes. As contenções orçamentárias dos órgãos públicos rodoviários impõem, não raro, restrição ao estabelecimento de processos de gestão de qualidade do pavimento – tal como liberação exclusiva de serviços tapa-buraco e de pequenos reparos. Quanto às concessionárias de rodovias, este valor alteraria de forma sensível o balanço financeiro, acarretando necessidade de inclusão no valor do pedágio. Contudo, torna-se difícil esta inclusão, em função de elevadas taxas de pedágio, geradas sob considerável carga tributária e obrigação de manutenção e ampliação de vias alimentadoras.

Levando-se em conta levantamento de 2006, em que 75% de pessoas consultadas não estão dispostas a pagar para evitar risco de acidentes no trânsito (Ipea, 2006, p. 65) torna-se praticamente impossível encontrar modelo financeiro para uma ASV de elevado custo.

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PROPOSTA DE BALIZADORES PARA UMA AUDITORIA DE SEGURANÇA RODOVIÁRIA

Para análise de uma rodovia, pode-se adotar, dentre outros fatores, um nível de serviço tomado como ideal ou referencial para toda a via, evitando que se apresentem trechos com níveis de serviço distintos em mais de uma classe. Por exemplo, supondo que o nível de serviço médio da via em dado momento do dia seja C, entre “A e E”, pode-se considerar necessário intervir em trechos onde o nível de serviço seja distinto a “B, C ou D”. Caso um trecho apresentasse nível A, e, portanto, velocidades maiores deveriam estar ocorrendo, podem ser adotadas medidas de “traffic calming”, atenuadoras de velocidade. Em trechos com nível de serviço E, melhoria viária visando aumento de velocidade e, consequentemente, de capacidade.                                                                                                                                                                                                                                                    

Estas melhorias poderiam ser do tipo inclusão de faixas de tráfego para tangentes, atenuação do raio vertical ou horizontal – visando aumento de visibilidade – ou ainda aumento do raio horizontal, para reduzir as acelerações centrípetas totais e descompensadas. Há ainda trechos onde a taxa de variação da aceleração centrípeta nos trechos de entrada e saída de curvas horizontais pode ser excessiva, requerendo reestudo de espirais ou inclusão destas.

CONCLUSÃO

Agregar uma nova fase de serviços e de custos aos projetos e às incorporações viárias, com novo processo licitatório quotidiano, na forma de uma ASV de empresa, independente das outras envolvidas nas distintas fases – do projeto à construção –, gera um custo extra inicial que tende a apresentar retorno financeiro em tempo compatível à vida útil do empreendimento e à reserva financeira futura, na forma de economia, em termos de acidentes que invariavelmente ocorreriam nas falhas não detectadas do empreendimento.

Quanto à aprovação do projeto por parte da entidade solicitante, indica-se condicionar aprovação prévia em auditoria externa e independente de todas as partes interessadas, como premissa obrigatória. Quando do pagamento das medições finais indica-se procedimento idêntico sobre a via concluída, para sua aprovação.

A solução antecipada de locais de possível concentração de acidentes gera maior qualidade de vida aos usuários em função da minimização do estresse típico de ocupantes de veículos onde se saiba da ocorrência de acidentes particularmente graves, bem como efetiva contribuição à comunidade a que atenda, além de estabelecer autossustentabilidade global à realização viária concebida.

Estabelecer elenco de fatores a estudar e sistematizar de forma metodológica a efetivação de uma ASV, tornando-a padronizada quando do momento da tomada de preços ou de licitação, entre outros fatores, tende a reduzir consideravelmente seu custo global, em função da especificidade temática a levantar e objetividade de resultados.

* Cássio Eduardo Lima de Paiva é engenheiro civil com mestrado e doutorado em Engenharia de Transportes pela EPUSP. Atualmente é professor associado da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em rodovias e ferrovias; projetos e construção, atuando principalmente nos seguintes temas: dimensionamento e manutenção de pavimentos flexíveis e rígidos,superestrutura ferroviária: via permanente e infraestrutura viária

** Creso de Franco Peixoto é engenheiro civil com mestrado pela Escola de Engenharia de São Carlos (USP). Professor assistente da Universidade Estadual de Campinas e da FEI. Tem experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em infraestrutura de transportes. Atuando principalmente nos seguintes temas: permeabilidade, regime de fluxo, hidráulica de meios porosos.


 




 






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