Centro histórico paulistano - Uma visão do futuro

26/08/2011 - Centro histórico paulistano - Uma visão de futuro

LUIZ AURICCHIO*

O centro histórico de São Paulo propriamente dito abrange a extensa área que vai desde o Pátio do Colégio até a Praça da República. Atentando-se à situação desta no decorrer dos anos, pode-se afirmar sem sombra de dúvidas que merece encômios a atuação da municipalidade paulistana e demais órgãos públicos envolvidos no sentido de sua preservação, bem como de sua manutenção e restauração, quando necessária. Haja vista, por exemplo, a ampliação visual da Praça da Sé, que, em tempos idos, veio a exigir enorme desembolso financeiro, inclusive através da implosão de valioso prédio comercial ou seja do Edifício Mendes Caldeira. E outros casos de intervenção de órgãos públicos: reforma do Viaduto Santa Efigênia; reconstrução do Pátio do Colégio, reavivando benfeitorias que deram início à formação da cidade de São Paulo; reforma da casa da Marquesa dos Santos situada à Rua Roberto Simonsen; conclusão da Catedral Metropolitana e seu entorno na Praça da Sé; reforma do majestoso Teatro Municipal e seu entorno; reforma da Praça da República; entre outros.

Todavia, como sói muitas vezes acontecer, neste firmamento de perfeições formou-se um “buraco negro”: é o complexo Praça do Patriarca/ Viaduto do Chá/ Praça Ramos de Azevedo, objeto do presente trabalho. Para se entender melhor o problema, carece remontar à sua própria história, desde a formação até a época atual.

Histórico

Vindo do litoral e chegando ao Planalto Paulista, os jesuítas buscaram um local de fácil defesa contra invasores e indígenas rebelados. Para tanto, escolheram uma colina situada entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, onde no ano de 1554 construíram o embrião da cidade: um colégio e suas dependências, o chamado Pátio de Colégio. Sendo muito íngreme o acesso pelo lado do Rio Tamanduateí, a cidade foi crescendo na direção da bacia do Rio Anhangabaú, ultrapassando-a mesmo e surgindo assim problemas de difícil travessia devido à diferença de nível muito acentuada. Daí a necessidade da construção de obras de arte de elevado custo. Para tanto, em 8 de novembro de 1892 foi inaugurado o Viaduto do Chá, ligando em nível a Praça do Patriarca com a Praça Ramos de Azevedo. Todavia, o povo utilizava tal travessia com reserva, pois a estrutura oscilava pela circulação de veículos, bem como pela ocorrência de ventos mais fortes. Por outro lado, a passagem lateral de pedestres era feita em placas de cimento mal ajustadas sobre perfis metálicos, com frestas que faziam entrever o abismo sob os pés.

Com o decorrer dos anos, tornou-se necessária uma passagem em nível ligando o Largo São Bento ao Largo Santa Efigênia. Optou-se então por uma estrutura metálica em arcos, inaugurada em 1913 e que passou a ser conhecida sob a denominação de Viaduto Santa Efigênia. Tornando-se obsoleto no tempo, houve necessidade da construção de um novo Viaduto do Chá, na versão atual, o qual foi inaugurado em 18 de abril de 1938. O profissional responsável pela obra – arquiteto Elisiário Bahiana – encareceu a necessidade do aproveitamento da parte inferior do viaduto, mediante a construção de uma galeria de dupla finalidade: eventos artístico-culturais e ligação do Vale do Anhangabaú com a Praça do Patriarca. Aprovadas, tais obras foram iniciadas em 1939 e inauguradas em 1940 pelo então prefeito Francisco Prestes Maia, em homenagem do qual a construção veio a ser denominada mais tarde de “Galeria Prestes Maia”. Para ornamentação desta foram colocadas na parte de circulação várias obras de arte, tais como duas esculturas modernistas de Victor Brecheret (Graça I e Graça II), cópia em bronze do busto de Moisés de Michelangelo e outras.

A partir daí, o complexo passou a funcionar de forma excelente, abrigando eventos marcantes da história do São Paulo Antigo. Isso a tal ponto que se passou a considerar o centro dividido em duas porções: o “centro velho”, do Vale do Tamanduateí até o Vale do Anhangabaú, e o “centro novo”, deste em diante. Todavia, esta tranquila situação não durou muito em face de notável acontecimento, qual seja a Segunda Guerra Mundial, com suas consequências na vida da pacata cidade paulistana. A colossal marinha mercante inglesa, responsável por quase a totalidade do intercâmbio comercial entre as nações, foi dizimada pelos ataques constantes dos submarinos alemães e, desta forma, praticamente cessaram as importações de produtos essenciais. Daí a necessidade de aproveitamento do incipiente parque fabril paulistano que passou a trabalhar em pleno emprego e com ampliação desmesurada baseada somente em recursos locais.

Aconteceu então uma fase de ouro em todos os setores, fabricando-se desde pregos até complexos equipamentos, com ampliação também da lavoura e da própria pecuária. Tal insólito desenvolvimento propiciou o surgimento do boom imobiliário no centro da cidade. Onde havia praticamente somente um prédio de expressão – o Edifício Martinelli –, passaram a ser construídos inúmeros arranha-céus residenciais e comerciais. Por outro lado, este notável crescimento atraiu levas de migrantes de todas as regiões do país, principalmente do Nordeste, e até de imigrantes dos mais longínquos países. E com isto a população cresceu de forma desmesurada, atingindo hoje mais de 10 milhões de habitantes, o que a situa como terceira cidade do planeta.

O centro da cidade transbordou em todas as direções, atingindo os limites do município e mesmo ultrapassando tais limites mediante parcerias com os municípios vizinhos. Surgiu assim a São Paulo Metrópole, ou seja, a Grande São Paulo, agora com quase 20 milhões de habitantes. Todavia, este crescimento sem planejamento trouxe um alto custo, principalmente na qualidade de vida. Por outro lado o centro passou a atrair contingentes de pessoas sem teto, indigentes, viciados em drogas, prostitutas e principalmente transgressores das leis, que ali se instalaram das mais variadas formas, provocando a sua degradação. E no denominado complexo Patriarca/ Anhangabaú/ Ramos de Azevedo os efeitos foram mais acentuados, pelos motivos a seguir expostos.

A laje de cobertura do túnel do Anhangabaú tornou-se um espaço ocioso, totalmente livre, propiciando ali a permanência dos visitantes indesejáveis. A Galeria Prestes Maia perdeu o seu fausto do passado. Os eventos cessaram, o acesso à Praça do Patriarca tornouse inseguro, pessoas desqualificadas ficam postadas no percurso e mesmo foram flagrados pedintes descansando próximos às esculturas de Brecheret. Não bastasse isto, problemas de limpeza e higienização, escadas rolantes paradas, pisos desgastados etc. O elevado fluxo de pedestres na Praça do Patriarca exigiu
em 2002 a construção de cobertura que, embora em avançado estilo arquitetônico contemporâneo, não se harmoniza de maneira alguma com o estilo São Paulo Antigo. O visual da praça tornou-se desvirtuado, triste e vulgar, daí a urgência na remodelação do que foi chamado no início deste trabalho de buraco negro. Em virtude de tudo o que foi exposto apresentar-se-ão adiante sugestões aos órgãos públicos visando a revitalização do complexo em tela.

Proposta

Anualmente a cidade de São Paulo é visitada por milhões de pessoas para eventos religiosos, culturais, esportivos, sociais, de negócios e mesmo por simples turismo. Em contrapartida, a cidade pouco oferece a estes visitantes, principalmente com relação ao centro. Isso sem falar nos eventos gigantescos programados para o futuro, principalmente a abertura da Copa de 2014. Em virtude disto, a proposta para solução do problema consiste em transformar o buraco negro em “polo turístico paulistano”, mediante medidas apropriadas. O autor deste trabalho apresenta as sugestões abaixo.

1º) Deslocamento dos terminais de ônibus do entorno da Praça do Patriarca para o espaço ocioso existente na laje de cobertura do Túnel Anhangabaú.
2º) Remoção da cobertura existente na Praça do Patriarca, reaproveitando-a no nível do Vale do Anhangabaú.
3º) Construção de esteira rolante no sentido longitudinal do Vale do Anhangabaú, interligando os vários terminais de ônibus.
4º) Reforma da Galeria Prestes Maia, destinando-se uma faixa da mesma para construção de sistema eficiente de escadas rolantes, ascendente e descendente, dupla cada uma, prevendo a manutenção, bem como com patamares intermediários devidamente monitorados.
5º) Linha turística de bonde ao longo do Viaduto do Chá.
6º) Construção de teleférico tipo europeu no nível do Viaduto do Chá e depois descendo até a Praça do Correio.
7º) Decoração geral em estilo São Paulo Antigo.

* Luiz Auricchio é doutor em engenheiro civil e pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, associado do Instituto de Engenharia desde 1949