O vinho e o mar

carlos31/05/2012 - O vinho e o mar

Pegando carona no clássico de Hemingway, proponho que esta coluna analise as relações entre os dois líquidos: o vinho e o mar. Se a ciência nos ensinou que a vida originou-se nos oceanos, também é verdade que o vinho é um dos maiores prazeres do homem sobre a face da Terra.
Grande parte de nossos alimentos provém do mar, e os peixes são saudáveis e (ainda) abundantes, em sua grande maioria. Muitas pessoas pensam que para harmonizar o vinho com o peixe, basta usar qualquer vinho branco. Isto é parcialmente verdade, mas as harmonias têm detalhes e requintes que, bem estudadas, agregam ainda mais sabor nestas combinações.
Temos que ter em conta, essencialmente, a estrutura do vinho.
Analisar o balanço entre sua acidez e doçura, e também verificar sua concentração de sabor.
Como isto é feito? Basta tomar um pequeno gole de vinho (duas ou três gotas) e constatar se ele preenche o palato com seu sabor (neste caso é um vinho concentrado) ou se passa na boca como se fosse água (vinho ralo ou desconcentrado). Há também a elegância, muito comentada, mas difícil de ser conceituada. Intuitivamente, todos nós sabemos quando uma pessoa é elegante. O mesmo acontece com o vinho, embora alguns tentem definir a elegância não só pelo equilíbrio entre os elementos estruturais do vinho (álcool, doçura, acidez e corpo) como por sua complexidade aromática.
Vamos às combinações. Ingredientes mais caros, como lagosta, pedem vinhos brancos de alta qualidade, como os feito na Borgonha com a uva chardonnay (um Montrachet, por exemplo).
Em preparações elaboradas pode aceitar também o champanhe rosé. Os alvarinhos portugueses (albariños espanhóis, mesma uva) ficam gigantes com lagostas grelhadas ou pitus. Vieiras também pertencem a este time.
Lulas pedem vinhos mais neutros, como os do centro da Itália, Frascatti, Orvieto etc., ou os brancos da Rioja espanhola.
Mariscos a vinagrete com vinho verde branco português, o mesmo vinho na versão tinta para sardinhas portuguesas assadas na brasa.
Sopa cremosa de mariscos (mouclade) precisa de vinhos mais encorpados e ricos, como os Chablis, feitos com a uva chardonnay.
Este último vinho é sempre citado como o parceiro ideal para ostras frescas. Ostras gratinadas precisam de chardonnays que repousaram em madeira, como os norte-americanos.
O Muscadet, vinho branco simples do Loire francês, vai bem com quase todos os frutos do mar, especialmente em preparação mais simples.
O ceviche, prato típico da culinária peruana, em geral adapta-se bem com um Sauvignon Blanc do Novo Mundo.
A bouilabasse, típico ensopado de peixes do sul da França, é sempre acompanhada por um branco ou rosé de sua região, a Provença.
Caviar implora por champagne, quase não admitindo outra combinação no reino dos fermentados.
O caranguejo tem sabor intenso e para escoltá-lo, os vinhos têm que seguir na mesma linha, como os já citados Borgonha, os Hermitage Blanc (da Côte de Rhône) ou Rieslings secos da Alemanha.
A sardinha e a cavalinha, peixes classificados na gastronomia como “azuis”, precisam de vinhos bem ácidos, como os verdes portugueses, ou o Muscadet já citado.
Para a paella, o clássico acompanhamento é um vinho rosado da Navarra, ou de qualquer outra região da Espanha. Também vão bem rosés bem encorpados como o Tavel ou o Lirac, franceses.
O polvo tanto aceita um branco encorpado como gregos ou espanhóis, como pode pedir um tinto se for cozido dentro dele, ou grelhado na brasa.
O Jerez fino, um vinho fortificado típico da Andaluzia espanhola, é o único acompanhamento possível para arenque ou enguia defumada.
O atum, o peixe que mais se aproxima da carne vermelha, vai bem com brancos bem encorpados e amadeirados, ou também com um vinho tinto sem tanino, como um Pinot Noir, ou até mesmo um macio Merlot do Novo Mundo.
A bacalhoada é “bola cantada”.
Quando tem leite, nata ou crème de leite em sua preparação, ela pede um branco bem estruturado e com muita madeira. Quando recebe tomate ou é preparado no forno, um vinho tinto com taninos leves, como os do Alentejo ou do Tejo português.
Churrasco de peixe branco tem um sabor intenso e precisa de um branco de baixa acidez e muito corpo, como um Sémillon australiano ou um branco do Rhône francês, feitos com as uvas Rossane e Marsanne, os mesmos vinhos para peixe-espada.
Salmão defumado (gravlax) só aceita champanhe ou um Riesling com ponta doce, como os alemães da categoria Kabinett. Já o salmão em outras preparações segue a regra do atum.
Linguados precisam de vinhos delicados, como italianos brancos ou os de Bordeaux, feitos com a uva Sauvignon Blanc e Sémillon.
O sushi e o sashimi, pratos ícones da cozinha japonesa, vão bem com Sauvignon Blanc da Nova Zelândia ou um com Riesling mais ácido, como os australianos. Também podem ser acompanhados de espumantes em geral, como os brasileiros mais secos.
Peixes com molhos à base de leite pedem uma “ponta doce”, como os alemães ou os feitos com a Chenin Blanc no Loire.
Pratos da culinária baiana sempre precisam de vinhos bem ácidos e bem concentrados, só aceitando os Sauvignon Blanc da Nova Zelândia, que obedecem a estes dois requisitos.
O mar é uma fonte inesgotável de alimentos sadios e saborosos. Infelizmente, nós, brasileiros, a despeito de nossa imensa costa marítima, ainda comemos pouco pescado.
Que este pequeno guia de acompanhamento te ajude a escolher vinhos para escoltar nossos deliciosos peixes, eis minha intenção.
Por ora, saúdo todos nós, engenheiros, com uma ostra fresca e uma taça de champanhe bem gelada... Saúde

Ivan Carlos Regina
é engenheiro do setor de transporte público,
associado do Instituto de Engenharia
e autor do livro Vinho, o Melhor Amigo do Homem
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