Uma frase histórica de Churchill e o saneamento paulista

edicao608/cornica19/03/2012 - Uma frase histórica de Churchill e o saneamento paulista

POR MANOEL HENRIQUE CAMPOS BOTELHO
é engenheiro civil, consultor, escritor e professor
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Durante a Segunda Guerra Mundial toda a aviação alemã foi abatida pelos caças britânicos durante a chamada Batalha Aérea da Inglaterra – e sem aeronáutica e sem marinha de guerra a invasão alemã da ilha britânica tornou-se belicamente impossível. Constatado isso, o primeiro-ministro Winston Churchill concluiu que ganhara a guerra e declarou emocionado em respeito aos pilotos ingleses, vivos e abatidos, que venceram a Batalha Aérea da Inglaterra: “Nunca tantos (todos os britânicos) deveram tanto a tão poucos (as centenas de pilotos ingleses dos Spitfires - avião inglês)”.

Foi uma das frases históricas de Churchill.
Voltemos agora nossa vista à Estação Elevatória do Guarapiranga no final dos anos 1960, com o Sistema Cantareira ainda na fase de construção. Na Estação Elevatória do Guarapiranga 12 conjuntos motor bomba (Worthington e Ingersoll Rand), cada um com cerca de 1 m³/s de capacidade atendiam à cidade de São Paulo e atendiam a mais de 80% do total de água aduzida. Só que esses grandes conjuntos motor bomba estavam todos com as válvulas de pé quebradas ou com defeito e a bomba centrifuga com sucção, como era o caso, sem válvula de pé não funciona. A Comasp estava nascendo, substituindo o velho DAE. Para resolver o problema dos 12 conjuntos elevatórios que atendiam a 80% da água de São Paulo foram adquiridas três pequenas bombas de vácuo que eram utilizados por meio de comandos e tubos para dar a partida alternadamente a cada uma das 12 enormes bombas.
E essas três bombas de vácuo, cada uma do tamanho de uma caixa de sapatos, eram assim pequenas, pois sua única missão era por minutos succionar a água do poço de sucção, escorvando uma a uma. Com cada bomba escorvada, e mesmo sem válvula de pé, o sistema de bombeamento entrava em função normal.
Eu estava fazendo um trabalho profissional para a DAE/Sabesp e fui inspecionar a Estação Elevatória do Guarapiranga, acompanhado por um engenheiro inglês, consultor de sistemas de bombeamento. Ao saber que toda a cidade de São Paulo dependia para o seu abastecimento de água dessas três pequenas e mal mantidas bombas de vácuo (elas estavam cheias de pingos de tintas de uma pintura geral da elevatória), o engenheiro inglês não se conteve, inspirou-se em Churchill e falou: “Nunca tantos (a população de São Paulo) deveram tanto (a água), a tão poucas (às três raquíticas bombas de vácuo)”.
Nota histórica: no começo da Segunda Guerra Mundial a Inglaterra ia perdendo em tudo e a possibilidade de uma invasão da ilha pelas tropas nazistas era uma possibilidade. Aí aconteceu o auxílio americano e a Alemanha começou a sofrer o desgaste da heróica resistência soviética – e com isso a Alemanha começou a sentir o gosto das dificuldades.

Destrinchado pseudomistério da resistência dos materiais:
o segredo dos velhos barbeiros ao acertar o fio de suas navalhas suecas
Disse Joaquim Nabuco no seu livro Massangana que quem foi criado num engenho de açúcar sempre ouve o longínquo mugido dos carros de bois e sempre pensa estar pisando um solo coberto por pedaços de cana-de-açúcar. Da mesma forma minhas primeiras lembranças sempre foram muito fortes influenciando-me de forma marcante. Meu primeiro professor de Física, o hoje saudoso prof. Hermann, do Liceu Pasteur, fazia antológicos discursos sobre os materiais e quando falava dos aços aflorava toda sua germanidade e falar do aço sueco inoxidável, inquebrável e incorruptível era para ele um empolgamento. A Suécia é, lembremo-nos, uma civilização teutônica e, portanto, prima da civilização germânica.

Se assim era para ele, passou a ser assim para mim. Eis que um dia ouvi uma história, contada por barbeiros, que começou a questionar (que ousadia!), digamos assim, a têmpera e realeza dos aços suecos. Vejamos a história.
Os velhos barbeiros, ao usar suas navalhas de aço (sueco ou de outra origem – seguramente menos nobre) costumavam dizer que “para ajustar o fio de corte” era preciso passar a navalha por uma fita de couro. O couro curtido ajustaria (?) o fio da lâmina. Assim eles contam – e parece que todos aceitam – essa pseudoverdade tecnológica. Com o tempo as navalhas foram substituídas por lâminas descartáveis e com isso o cerimonial litúrgico do ajuste (?) do fio da navalha foi abandonado. Quem viu um dia um barbeiro passando a navalha no couro nunca se esquecerá. Assim como nenhum jogador de futebol cobra uma penalidade máxima sem antes ele mesmo colocar a bola na marca do pênalti, nenhum barbeiro usava a navalha para cada cliente sem antes reverencialmente passá-la na fita de couro. Mas para quê?
Teria um pedaço de couro capacidade de ajustar o fio da navalha? Mas o que é na Resistência dos Materiais um ajuste de fio? Couro, mesmo curtido, pode fazer algo num aço e, por mais absurdo, num aço sueco? Com essa dúvida saí a correr mundo, ou seja, a perguntar a colegas sobre tal mistério ou lenda. Ouvi todos os tipos de resposta. Vejamos algumas:
De um colega que seguramente não sabia a resposta: “Mas se hoje só se usam lâminas, então por que perder tempo com um assunto superado...”.
De outro: “Se há tanto tempo eles fazem... deve haver uma razão e como o assunto nunca foi tratado nos livros de Resistência dos Materiais, como o do Timoshenko, a solução está fora dessa matéria, logo o assunto está resolvido (?) e encerrado (?)...”.
Continuei a estudar a questão.
Um dia tudo se esclareceu, penso eu. Os barbeiros ao usar as navalhas de aço, elas com o tempo perdiam o corte e eles devolviam o corte usando pedras de amolar. E ao usar as pedras ficavam na navalha pequenos pedaços da pedra, ou quem sabe do próprio aço. E uma forma de retirar esses pequeníssimos pedaços era passar a navalha em algo flexível e que não se cortasse com facilidade. Além disso, o próprio ar urbano está cheio de pó que vai se acumulando na navalha criando pontos de concentração de tensão, podendo-se gerar cortes desuniformes. É necessário então limpar a superfície da navalha. Tudo isso é possível pelo passar da lâmina numa superfície deformável e a cinta de couro dos barbeiros propicia isso. E sendo um gestual bonito, o hábito de passar solenemente a navalha no cinto de couro se propagou.
Conclusão: a técnica de passar a navalha de aço numa fita de couro não ajusta fio e sim limpa a superfície do aço de impurezas.
Essa é a minha opinião. E os colegas, o que acham?